O barulho ensurdecedor do helicóptero esfuma-se quando chegamos ao espetacular delta do Rio Okavango. Ficamos de tal forma fascinados que não conseguimos absorver, de imediato, tanta beleza. Os pequenos afluentes do Rio, que segundo dizem nunca chega ao mar, invadem as terras formando uma das mais belas redes aquíferas do mundo, preenchendo a paisagem com desenhos abstractos até onde a vista alcança.
Lá em baixo, no meio da vegetação, vemos os elefantes a caminhar em passo firme pelas estreitas faixas de terreno que a água não cobre, em contraste com a correria das zebras, através da savana. Um pouco mais à frente, uma manada de girafas desloca-se calmamente acompanhada por impalas. No meio da erva mais alta estão os leões, deitados ou agachados, sem pressa mas sempre vigilantes, à espera do momento ideal para caçar a presa. Este é o retrato de um dos santuários mais bem preservados de África. Para absorver a plenitude de toda a sua essência, é fundamental ficar no coração do delta, dormir numa tenda ou cabana junto à água e assistir ao nascer do sol, tendo por fundo o som indescritível e único da savana.
O mundo animal acorda com o nascer do sol. Ainda é noite fechada quando partimos para o Eagle Camp, um lugar escondido na ilha de Xaxaba, cercado pelas fabulosas palmeiras de Illala, porque as primeiras horas da manhã e o final da tarde são os melhores momentos para observar aves e mamíferos. Estas águas também são um paraíso para observadores de aves. No Botsuana existem mais de 1000 espécies de aves endémicas do sul de África, cerca de 2500 plantas únicas e mais de 650 tipos de árvores.
Nada melhor do que se deixar levar pela fraca corrente navegando num mokoro – canoa indígena – munido de binóculos. Aos poucos, entre lírios de água e papiros, a fauna do Delta desfilará diante dos seus olhos. Quem gosta de pescar pode reservar uma das excursões organizada desde a pousada até às águas do Canal de Bora. A actividade é apenas desportiva; não é permitido ficar com os peixes, que devem ser restituídos à água. Entre os peixes mais apreciados está a tilápia, uma iguaria suculenta que pode ser saboreada no restaurante do acampamento.
RUMO A KHWAI
A avioneta ruge na pista enquanto o piloto contacta pelo rádio e comunica a descolagem deste pequeno pedaço de terra roubada à savana, começando a acelerar até ao início das árvores. Paramos subitamente e damos uma volta que nos faz bambolear dentro do pequeno aparelho: há um grupo de zebras que decidem não nos deixar sair…
“Isto é África”, diz o piloto com uma gargalhada. Acelera e persegue-as. Por fim, os teimosos animais decidem deixar-nos o caminho livre para descolar e penetrar novamente na incrível beleza da terra de Tswana, os habitantes de Botsuana. Aqui, os aviões privados são usados quase como autocarros e a deslocação aérea entre os campos é a forma mais rápida e segura, uma vez que as estradas podem estar alagadas, ou estão de tal forma esburacadas que é fácil ficar retido. Uma hora e meia após a descolagem aterramos em Khwai, entre a Reserva Moremi e o Parque Nacional Chobe.
O Campo Khwai possui elegantes cabanas com vista para o rio, de onde se pode observar impalas, hipopótamos e até babuínos, que podem roubar qualquer coisa que esteja à vista. Não há valas, nem cercas, nada que nos separe dos animais; é essa plenitude da natureza que nos conquista como viajantes. À tarde partimos para o safári de observação de animais game view. Este é um dos melhores lugares do mundo para fotografar os chamados Big Five: o Elefante, o Leão, o Búfalo Africano, o Rinoceronte Negro e o Leopardo Esquivo. A maioria das pessoas acha que o termo Big Five se refere ao tamanho dos animais contudo, a expressão era usada pelos caçadores para designar a dificuldade em capturar estes animais: são os cinco mamíferos mais perigosos.
Paramos o carro e a curta distância encontramos um órix, impalas e zebras. É difícil decidir o que fotografar. A poucos metros de distância, hipopótamos espreitam entre os lírios de água, num banho que durará o dia todo; as crias tentam aprender a flutuar.
A savana está em harmonia, um murmúrio constante de vida que só é quebrado pelo som distante do rugido dos leões, que estão por perto. Medo e emoção misturam-se com uma sensação de vulnerabilidade. O guia tranquiliza-nos: “Se não se debruçar para fora do veículo não há perigo. Para o leão o carro é um animal mais velho e ele respeita-o; pelo contrário, se alguém acenar para fora do carro, o leão vai perceber que há presas dentro e podemos ter problemas.” Seguimos algumas pegadas na estrada que mais à frente se perdem. A erva é alta, mas o guia lança um alerta: “Lá, na árvore!” Majestoso, num ramo, está um belo leopardo. É um dos felinos mais abundantes, mas também o mais difícil de ver. É mesmo uma questão de sorte.
Aproximamo-nos e ele olha para nós. O guia pede silêncio absoluto: o leopardo não deve saber que há pessoas dentro do carro. Com um gesto aponta para o ramo à direita, onde está um antílope morto com metade do corpo já devorado. Os leopardos sobem às árvores com as presas e ficam lá enquanto têm comida. A Reserva Moremi é também o melhor lugar para um safari noturno; é uma aventura parar no meio do campo e ouvir o som de centenas de rãs cascavel, que invadem a atmosfera com a sua “música”. Dá a sensação que os milhões de estrelas que povoam o céu cintilam ao ritmo dos anfíbios.
O REINO DOS ELEFANTES
A meio da tarde o guia terminou o dia no Lodge em Savuti. Hoje não há turistas para visitar o Parque Nacional Chobe. Sobe para o 4×4 com que há 20 anos explora os caminhos do maior santuário de elefantes do mundo e dirige-se a um dos baobás mais velhos, as árvores mágicas de África. Sob a sombra de seus galhos centenários, puxa do seu pequeno caderno e começa uma das suas inúmeras histórias. Entre leões e chitas, sentado no carro, tenta reter a alma da vida selvagem num pedaço de papel.
O guia é um Batswana, uma das 26 tribos da terra dos Tswana que se dedica a ensinar aos viajantes alguns dos segredos dos animais em liberdade. Como tantos outros das cidades vizinhas de Maun ou Kasane, é um guia especializado em vida selvagem. O Parque Nacional Chobe e o Canal Savuti podem ser explorados a partir do Campo de Elefantes Savute, um local único onde, na época seca, podem ser vistos centenas de paquidermes a beber na lagoa em frente à pousada. É a área mais árida da região, embora na época das chuvas a planície fique coberta de um verde intenso.
O Parque Nacional de Chobe cobre quase 11000 quilómetros quadrados e as suas terras têm o privilégio de ser o primeiro Parque Nacional do Botsuana. As margens do rio Chobe nunca decepcionam os visitantes: encontram aqui todos os mamíferos, exceto o rinoceronte negro. Com um pouco de paciência é possível ver todos os tipos de animais a partir dos 4×4 que fazem os safaris.
Em Savuti, outra atividade interessante é abordar a história do San, o grupo étnico que habitava essas terras e das quais as pinturas rupestres são preservadas no Morro de Gobabis, com 4.000 anos.